Testemunho

“Gostaria de ter uma escola de desenho” – Menino Arqueiro

Arqueiro

O autor dos desenhos que acompanham os textos neste blog esteve à conversa connosco. O Menino Arqueiro, como é conhecido nos meandros das artes, falou-nos do seu percurso, dos artistas que admira e da sua aspiração em criar uma escola de desenho. O Menino Arqueiro está a concluir uma licenciatura em Planeamento Territorial.

Fala-nos de ti e teu percurso.

Chamo-me Dércio Januário Chilundo  – o meu nome artístico é Menino Arqueiro. Estou a formar-me em Planeamento Territorial pela Universidade Wutivi, antigo ISTEG, e sou desenhador. Desenho desde pequeno e pretendo desenvolver a minha arte e encorajar mais artistas para que possamos todos juntos caminhar e trazer o que temos de melhor. Buscar artistas e uni-los é o meu objectivo.

Quando é que adoptaste o nome Menino Arqueiro?

Eu gostava de ver jogos e um dia ouvi a palavra arqueiro, busquei o significado e percebi que era um guerreiro, e uma das coisas que me chamou atenção é a precisão, o arqueiro é definido pela precisão com o seu arco, e eu aprecio o detalhe e a precisão. Adoptei esse nome e as pessoas já me chamavam assim.

Como é que começaste a desenhar?

Eu era um miúdo muito isolado, com os meu lápis, com os meus materiais, e procurava sempre desenhos, Tom Jerry, Mickey Mouse, que copiava. Tudo começou aí.

Neste momento como é que geres o teu trabalho? Fazes mais o que queres ou o que te pedem para desenhar?

Actualmente estou nessa disputa entre o que quero fazer e o que me pedem. Claro que a minha prioridade é para o que gosto. Percebi que dedicando o meu tempo a fazer o que me pedem perco-me, tenho que estar focado nas minhas coisas. Agora exploro e desenvolvo as minhas capacidades. Mas as pessoas ainda telefonam e demandam trabalho, faço uns e outros, por necessidade. Tenho que ganhar algum dinheiro.

Como é que pensas que vais combinar uma actividade como profissional de Planificação Territorial e a de artista?

Não vai ser fácil. Acabei por fazer Planeamento Territorial porque não consegui o curso que realmente queria, Arquitectura. O meu pai inscreveu-me na universidade e escolhi Planeamento Territorial por me parecer o mais próximo do que queria fazer. Eu desenharei para o resto da minha vida. Tentarei conciliar as duas actividades, embora não saiba como.

Fizeste um curso que não era a tua primeira opção. Agora estás “conformado”? Ou pensas em estudar Arquitectura no futuro?

Sinto-me confortável. Agora estudo  Arquitectura em casa, da mesma forma que aprendi a desenhar em casa. Tenho estudado e em parte prático. Claro que seria muito melhor ter estudado numa escola.

Como é que lidas com a ideia de “inspiração”?

Eu aprendi que a inspiração encontra-nos trabalhando, dedico-me horas a trabalhar. Estou sempre a trabalhar e não espero acordar às duas da manhã para desenhar. E a minha própria história funciona como motivadora. O que vivi influencia muito o meu trabalho.

O que é que tu viveste?

Tive um acidente de viação, um embate entre carros. Fui a pessoa que mais sofreu nesse acidente. A separação dos meus pais foi outro evento importante no meu percurso.

Que movimentos artísticos consideras relevantes no tua trajectória? Ou artistas?

No desenho realista aprecio os trabalhos de Dirk Dzimirsky, Kelvin Okafor e Charles Laveso.

E outras influências de outras expressões artísticas?

Escuto muito jazz e música clássica, sobretudo a trabalhar. Também escuto R&B e Hip Hop.

É possível viver inteiramente de arte?

Eu acredito que sim. É o desafio que tenho para mim. Quero poder levar a arte a um nível em que se transforme na minha forma de sustento. É possível, na verdade, viver de tantas outras actividades artísticas, desde que haja empenho e despertemos a curiosidade das pessoas em relação ao que fazemos.

Quais são as tuas aspirações como artista?

Unir artistas que fazem o mesmo trabalho é o meu grande propósito. Já consegui fazer isso parcialmente. Criei um grupo com artistas moçambicanos, desenhadores, pintores, tudo o que tem que ver com o desenho. Gostaria de ter uma escola de desenho realista. Se conseguisse me orgulharia verdadeiramente. Seria um grande contributo para o país e para os artistas.

O que é que fizeste que te faça sentir orgulhoso neste momento?

O meu próprio trabalho, ou quando por vezes observo e noto que estou a progredir. Consigo aproximar-me de artistas em outros lugares, muito mais desenvolvidos, com outras condições, deixa-me orgulhoso no meu trabalho.

Quais são as dificuldades que encontras enquanto artista.

Além dos materiais os artistas têm um problema que é lidar com as pessoas. As pessoas não respeitam os artistas. A seriedade dessas pessoas é duvidosa. É um grande obstáculo para o desenvolvimento artístico. Sobre o material, há muito que falta. Pessoalmente tenho que deslocar-me e comprar na África do Sul. A qualidade do material que se vende cá é precária e não há diversidade. Só encontras lápis HB e as mesmas minas. Conseguimos trabalhar com o que há mas poderíamos fazer muito melhor se tivéssemos outros materiais, com mais qualidade.

Tens um colectivo de artistas. Qual é o propósito?

Eu criei uma página online e fui chamando amigos e artistas conhecidos. Usamos essa página para trocar experiências e partilhar o nosso trabalho. Temos encontros presenciais e estamos a organizar actividades que trarão benefícios não só para nós mas para outros artistas. Queremos fazer um workshop, por exemplo.

Estás a preparar alguma exposição?

Estou a preparar-me para uma exposição individual, ainda sem data; vou focar-me em criar e depois logo se vê.