Testemunho

É interessante trabalhar com pessoas de várias partes do mundo” – Amorim Sitoe

Veste uma camisa de linho e calças caqui e conhece as ruas da cidade com a exactidão do carteiro. Decidiu que devia aprender uma palavra da língua inglesa por dia e foi com esse método que aprendeu a falar inglês. É taxista há uma década e gostaria de ter uma frota.

 

Fale-nos de si e do seu percurso?

Chamo-me Amorim Faftine Sitoe e nasci em Maputo em 1972. Comecei a trabalhar como taxista há pouco mais de uma década e na altura tínhamos dificuldades em termos de viaturas, porque ainda não havia os famosos “Dubai”. Dependíamos de carros antigos e houve uma altura em que, por exemplo, quando estávamos a caminho do aeroporto, e o carro tinha uma avaria, os clientes tinham a paciência de esperar que trocássemos o pneu, tal era a escassez de viaturas. Nos anos 2005/2006 houve uma revolução com o aparecimento de serviços de leasing em bancos. Aderimos em massa e começaram a circular viaturas em melhor estado, facto que me melhorou a nossa actividade.

O que é que fazia antes de ser taxista?

Trabalhei num estabelecimento comercial – uma papelaria – durante uma década.

E neste momento dedica-se exclusivamente à actividade de taxista?

Também tenho uma papelaria, em parte inspirado pela minha antiga experiência. Quando comecei o salário era suficiente porque era solteiro. Quando constitui família o rendimento já era insuficiente e por isso resolvi explorar outras áreas. Nessa altura acabava de aparecer aquela empresa Top Taxi e achava aquilo muito comovente. Via aqueles homens com os seus carros a subir e a descer e gostava da forma como circulavam. Acabei por entrar na profissão e uma das coisas de que gosto nesta actividade é que em 24 horas a gente lida com o mundo inteiro. Esta manhã, por exemplo, transportei um professor americano e depois fui buscar uma chinesa para casa, e não sei quem transportarei no resto do dia. É interessante trabalhar com pessoas de várias partes do mundo.

Como é que lida com a questão da língua – já que contacta com pessoas de todo o lado?

Nos meus tempos livres a minha maior diversão é a leitura. Os meus professores em língua inglesa foram os meus próprios clientes. Em uma década em que estou na área aprendi uma palavra por dia. Já consigo me comunicar com eles e aprendi justamente no meu quotidiano. Não me lembro de ter ido à escola. Foi só curiosidade e esforçar-me, mesmo sabendo que ia errar. Hoje consigo entender-me com os clientes.

Quais são as características que considera importantes para se ser um bom taxista?

O básico é o domínio da cidade. É preciso conhecer as avenidas. No caso de Maputo, partem do mar para o continente. A Mao Tse Tung parte do lado do Hotel Polana para Malhangalene. A Vladimir Lenine parte da baixa para o interior. Muitos dos clientes entram nos taxis com um papel, com a avenida e o número. Dominar a cidade e ter noções de língua inglesa são o básico. Há também a ética, bom comportamento, verificar se os clientes esqueceram algo e devolver posteriormente.

Que regulamentos devem ser seguidos para praticar a actividade?

As licenças são atribuídas pela direcção de transporte do Munícipio de Maputo. Os táxis ostentam as cores amarela e verde. Temos a Postura Camararia que define os artigos e as cláusulas a que devemos obeceder. O Município atribui as licenças e indica a praça onde devemos estar. Mas isso não me proíbe de transportar passageiros quando estou a passar por uma praça onde não esteja um táxi. Essas regras definem a melhor forma para exercermos as nossas actividades.

Há, aparentemente, prestadores ilegais de serviços de táxi…?

Há aproximadamente 1000 taxistas a circular em Maputo, sendo metade deles ilegais. E como é que aparecem muitos deles? Emprego um motorista, por exemplo, e ele acha que como taxista teria muito mais rendimento. Se me aborreço com o patronato e deixo de praticar, procuro um carro de um singular e ponho-me na estrada como taxista. Oficialmente há 111 praças, que variam em número de táxis entre 2 a 15. Nas praças onde temos hotéis variam de 12 a 15 táxis. Nas praças de restaurantes variam de 2 a 4. Como não é possível trabalhar 24 horas e precisamos de repousar, os ilegais aproveitam-se e começam a explorar a actividade, e como não rendem tanto à noite, na manhã seguinte continuam a explorar. A outra parte é a dos txopelas, sendo que 80% desses exploradores não têm licença de actividade. Um terço dos nossos clientes está com eles. O surgimento dos txopelas embaraçou a nossa actividade. No princípio perdemos 50% dos nossos clientes, mas pela má condução, mau comportamento, as pessoas acabam se abstendo de apanhar aqueles transportes. Além disso, eles cobram o mesmo valor que um táxi normal cobra.

Lembra-se de um momento engraçado no seu dia-a-dia?

Durante esta década, nos voos para o aeroporto, geralmente nas primeiras horas da manhã, mais de 40% das senhoras que transportei esqueceram-se de alguma coisa em casa.

E como é que gere os seus horários, principalmente quando se trata de trabalhar à noite?

Normalmente os serviços de táxi têm o horário, de segunda à quinta-feira, que para uns vai das 6h00 às 20h00 ou das 7h00 às 21h00. Nas  sextas-feiras e sábados a cidade não dorme. Na sexta entramos de manhã e voltamos para casa à madrugada, para repousar, e retomamos às 11h00. O mesmo acontece no sábado. Domingo é um dia de repouso, já que há pouca circulação de pessoas na cidade. Normalmente fretes de madrugada são marcados com antecedência. São raras as vezes em que pessoas telefonam de um momento para outro. Quando transportamos passageiros que viajam de autocarro às 3h00, o cliente marca com antecedência. Essas fretes são mais rentáveis, dão quase 50% do nosso rendimento diário.

Qual foi a viagem mais longa que fez como taxista?

Todos os anos em Dezembro fazemos viagens longas. Em Dezembro passado fui duas vezes à praia de Xizavane, a 250km, três vezes à praia de Bilene, e duas vezes ao Reino da Suazilândia. São turistas que vêm para as festas e querem deslocar-se para as praias ou reservas.

Quais são as suas expectativas para o futuro?

Gosto muito da actividade que estou a exercer mas neste momento há mais oferta que procura.Talvez no futuro possa mudar para uma outra actividade, mas por enquanto é uma actividade que dá para explorar, vou manter-me como taxista e gostava de ter uma frota sustentável. As praças estão cheias, é verdade. Gostaria de aumentar o número de viaturas para poder ter um Alvará e explorar a minha actividade como empresa de transportes. Gostaria de abrir uma agência de car rental, ter um ou dois 4X4, um mini-bus, e carros pequenos. Há momentos em que aparecem seis passageiros e nestas viaturas que temos não cabe toda a gente. Ou quando há viagens para a Ponta do Ouro, por exemplo, com carros pequenos não conseguimos.

Que incentivos as entidades reguladoras no sector de transportes deviam considerar para melhorar as vossas actividades?

Em primeiro lugar combater a actividade ilegal neste ramo. O Município colocou certas ruas com sentido único, foi um boa opção, descongestionou o tráfego, Amílcar Cabral e Vladimir Lenine não era fácil transitar em horas de ponta. A principal intervenção seria que houvesse o controlo intensivo para os que exploram a actividade de forma ilegal. Nós pagamos 5% do nosso rendimento às finanças.

Qual é a cidade em que gostava de trabalhar como taxista?

É a Cidade Luz, Paris, porque é umas das cidades mais visitadas do Ocidente. Mesmo que agora tenha aparecido um sistema de internet [Uber], vi aquela manifestação por causa dele, mas acho que é mais rentável por lá.