Testemunho

“Em cada dez directores de obra só uma é mulher” – Denise Barbedo

Denise Barbedo formou-se em Engenharia Civil, com especialização em Geotecnia. Foi logo para as obras, por acreditar que depois dessa experiência “consegues tudo”. Chegou a gerir três obras em simultâneo e a coordenar uma equipa de 300 pessoas.

Fala-nos de ti e sobre como é que começaste a tua actividade como engenheira.

Estudei em Portugal e quando regressei comecei a trabalhar na empresa do meu pai, mas eu queria desenvolver o que tinha estudado. Falaram-me nessa altura de uma empresa ligada à Engenharia Civil no ramo de Geotecnia, fundações, contenção, tudo o que é ligado ao solo. Essa empresa contratou-me e foi uma experiência muito interessante. Acabava de sair da faculdade e tinha muitas questões para fazer no terreno. Felizmente, muita gente recebeu-me bem e comecei logo a trabalhar na obra.  Tenho que dizer que é muito complicado fazer o que faço, em geral as mulheres que trabalham nesta área estão a fazer fiscalização, confirmam se está tudo certificado, eu fiz direcção de obra, tinha uma equipa, tinha os subempreiteiros, os fornecedores e os clientes e eu lidava com tudo isso. Em cada dez directores de obra só uma é mulher, sendo isso raríssimo, em todo o caso.

O que é que te motivou a trabalhar neste ramo?

Tive professores que diziam que era importante crescer a partir da base. Normalmente, quando as pessoas  terminam Engenharia querem ir para escritórios e fazer projectos, mas para mim não chega, tens que estar na obra, tu aprendes muito mais, as dificuldades, o que realmente vai sair dali, os desafios, e depois podes ir a outros níveis, por isso é que comecei a trabalhar em obras. Claro que foi muito complicado como mulher, mas é preciso ter uma postura, ser forte, porque depois disso consegues tudo. Na minha primeira obra, na Promovalor, tive imensas dificuldades, tive que sacrificar muito da minha vida pessoal.

Como é que foi a tua formação superior?

Quando terminei o secundário fui para Portugal e na altura estava indecisa entre Engenharia e Arquitectura. Fui influenciada no sentido de ir para a Engenharia. Toda a gente dizia que como arquitecta teria mais dificuldades em encontrar trabalho. O primeiro ano no curso foi muito difícil, a adaptação foi duríssima, o ensino era mesmo exigente, e eu não estava preparada. Demorou uns anos a concluir. Acabei por fazer. Estava em Construção e mudei para Geotecnica, achava que esta última era desafiante e à mesma podia fazer construção na prática.

Como é que conseguiste o teu primeiro trabalho

Quando regressei a Maputo não conhecia nenhuma empresa que trabalhava em geotecnia e eu queria exercer actividade nesta área. Uma pessoa amiga ajudou-me, indicando-me cinco empresas. Mandei o meu CV e uma delas contratou-me, tinha passado um mês.

É mais fácil encontrar empresas neste sector hoje?

Diria que é fácil, porque há muito trabalho pela frente, embora estejamos a passar por algumas dificuldades, que são políticas e não têm nada a ver connosco. Vamos precisar de muitos engenheiros, em Hidraúlica, Geotecnia, Construção. Agora, tenho que ter disponibilidade para trabalhar em outros locais, para sair da cidade. Acredito que o futuro está mais a Norte, Beira, Nampula, Pemba, vão crescer muito. Há, portanto, muito trabalho.

O que dirias a um jovem que se interessasse por Engenharia?

Primeiro tem que se querer mesmo fazer aquilo, ter vontade em trabalhar na área. Gostas de lidar com pessoas, de trabalhar cá fora, na obra, estás disposto a enfrentar problemas? Tudo isso aprende-se com o tempo, claro. Se queres ir para a Engenharia acho bem. Na obra aprendes muito, individualmente, mas também tens apoios. Tens que ler projectos, executá-los, encontrar material, lidar com clientes. Tens que fazer mesmo tudo. Eu tinha colegas que só sabiam executar uma tarefa. Mas tu não podes depender de colegas para trabalhar, quando alguém não está podes ser tu a tomar as rédeas. Na minha equipa sou a líder e tenho que ter conhecimento sobre tudo o que se passa. Que material está a entrar, o que é que estão a furar, o que é que aconteceu de manhã, à noite.  Até contabilidade aprendes, porque tens que fazer a parte financeira dos projectos. Pela minha experiência acho que dali [da obra] podes fazer qualquer coisa. Se me aparecer uma empresa a pedir para fazer de comercial eu faço, porque estou à vontade. O que tento transmitir às pessoas é isso, se tu demonstrares o teu desempenho as pessoas vão procurar-te, não importa o que fizeste. Pelo teu desempenho, por aquilo que aprendeste ao longo dos anos.

Quais são os momentos que consideras marcantes no teu percurso?

Eu trabalhei em duas empresas na mesma área. Numa empresa marcou-me uma obra (um prédio de 40 andares), atiraram-me tudo para cima, tinha que gerir tudo e tínhamos uma equipa de talvez trezentas pessoas, era só a fundação. Tive que contratar pessoas, adquirir as máquinas, tinha que saber conciliar tudo. Era uma grande responsabilidade e empenhei-me muito. No princípio ninguém me respeitava, havia alguns engenheiros estrangeiros que pensavam que sabiam tudo. A minha maior  dificuldade foi lidar com estrangeiros. Eu mandava-os fazer e eles não faziam. Tive que formar pessoas que hoje valem muito. Na outra empresa, começou tudo do zero, criei e geria a empresa. Eu geria três obras em simultâneo e aí também havia a questão dos estrangeiros. Temos que saber lidar com os estrangeiros, porque as empresas de construção são a maioria estrangeiras, e a mentalidade deles é outra. Vêm para cá, e depois há a questão dos salários, dizem que não podem trabalhar numa tarefa porque não é especialidade deles, o que não existe aqui, claro que cada um tem a sua especialidade, mas as pessoas ajudam-se umas às outras. Outro desafio interessante foi trabalhar com chineses.

Como é que vês este sector nos próximos anos?

As perspectivas são boas. O moçambicano tem que sair da Faculdade a acreditar que vai conseguir. Não pode dizer “ah, o estrangeiro”, não podes deixar que um estrangeiro passe por cima, e eu luto por isso toda a hora nas obras. Não temos que ter medo dos estrangeiros. O Ministério do Trabalho está a controlar a entrada de estrangeiros, entram estrangeiros para formar, e nós precisamos de formação pelas carências que há aqui. Precisamos da experiência de gente de fora e estou de acordo em que isso aconteça, mas os moçambicanos têm que saber aproveitar essas oportunidades de formação. Têm que querer aprender e perguntar. Os engenheiros têm que transmitir essa vontade de ensinar, porque também eles precisam da ajuda dos outros, de uma equipa. Quero muito apostar em pessoal jovem.

Como é que vês o problema da habitação em Moçambique?

Houve um boom e não havia uma lei que ditasse o valor das casas. Aqui eles fazem valores de casas…o valor de uma obra e os preços a que vendem os prédios não têm nada a ver, isso é ridículo. Imagina, há apartamentos na Julius Nyerere que custam USD 500 mil, mas que podias vender a USD 100 mil. Eles fazem isso só para ganhar dinheiro. Ganham dinheiro e vão embora. Mas isso vai tudo mudar, a procura já é muita e ninguém consegue manter esse nível de preços. Uma empresa ia começar a K-Center e não vai começar porque não tem dinheiro, porque não conseguiu vender os apartamentos todos. As coisas vão mudar muito, vai haver muita habitação e os preços serão razoáveis, não digo melhores, ainda. E acho que haverá prédios exageradamente, e as pessoas agora compram um terreno e constrõem. Como vai haver habitação por demais e pouca gente para comprar, vão apostar em outras áreas, em Pemba vai agora começar uma barragem, em Chimoio, em Gorongosa a mesma coisa.

Lembraste de alguns momentos inusitados numa obra?

Já me aconteceu aparecer muita gente bêbeda na obra, a contar histórias, às vezes sem capacete, e nesses casos não posso ser simpática, porque nós trabalhamos com máquinas, então deixo-os ir para casa. Nós às vezes ficamos até à meia noite na obra e há sempre histórias a acontecer.

Quais são as tuas ambições a nível profissional?

Eu deixei a segunda empresa agora porque procuro novos desafios. Um engenheiro em Moçambique é multifuncional. Neste momento faço direcção de obras, consultorias, procurement. Vou ganhar outros conhecimentos. Há projectos grandes a vir e um deles tem que ver com energias renováveis, energias alternativas. Isso é um grande desafio, primeiro porque é o futuro aqui. Depois quero criar a minha empresa. Para isso tens que ter mais ambição e força, começas a ter papéis a que não estás habituado. Quando contratam-te fazes aquilo que te dizem e pronto. Estou a negociar esse projecto das energias renováveis, mas há também um projecto para trabalhar naquilo que eu fazia – direcção de obras. No projecto das energias eles querem produzir energia através das barragens para o cultivo, para a agricultura. Eles vão fazer tubagem com energia para as pequenas habitações, tudo no centro do país. Estou mesmo motivada para este projecto, mas vai tudo depender das negociações.

Um último conselho para os mais jovens?

Eu diria que não podem ter medo de enfrentar seja lá o que for. É preciso ter confiança e não deixar-se ir abaixo. O engenheiro tem várias escolhas. É uma área interessante. Vês uma casa, uma fundação e dizes “eu fiz isto”, é a maior recompensa que um engenheiro pode ter, saber que fez uma fundação, um prédio. No fim podes contar aos teus filhos, os teus netos.