Testemunho

“A minha ‘escola’ e o mercado de trabalho foram coisas que não se cruzaram” – Tiago Correia-Paulo – produtor e DJ

Tiago Correia-Paulo é produtor e DJ e trabalha em projectos que combinam som e imagem. Iniciou a sua actividade artística em bandas de música (integrou a célebre 340ml) e mais tarde envolveu-se com o cinema. Estudou Gestão de Recursos Humanos e Economia de Desenvolvimento em Joanesburgo.

Fale resumidamente do seu percurso académico e profissional e do sector em que trabalha actualmente.

 Eu cresci e estudei em Maputo, toda a minha vida, mas quando chegou a altura de ir para a universidade, um bocado por influência dos meus pais, decidi ir para a cidade de Joanesburgo, na África do Sul. Fiz um Bacharelato em Gestão de Recursos Humanos e em Economia de Desenvolvimento. Mas, mesmo antes de acabar, já sabia que não era aquilo que queria fazer. Sabia porque já tocava em bandas e desconfiava que afinal era música o que queria seguir. Mais tarde também apaixonei-me por cinema. E acabei por tentar sempre envolver-me em projectos que pudessem fundir esses dois mundos, som e imagem.

Como é que conseguiu o seu primeiro trabalho?

O meu primeiro verdadeiro trabalho foi como ilustrador e designer. Fazia isso porque já tocava em bandas, mas nenhuma delas fazia dinheiro suficiente para eu viver. E como todos sabemos muito bem, o senhorio e a fome só têm uma solução: trabalho! Como tinha alguns contactos, e sempre gostei de desenhar e aprendi programas como o Photoshop, foi mais rápido começar a fazer biscates assim. Já me dava com alguns artistas e com alguns donos de lugares de música ao vivo e discotecas, comecei a fazer posters, capas de CD, etc.

Em que é que consiste o seu dia-a-dia de trabalho?

Isso depende imenso. Nunca consigo ter uma rotina. Às vezes passo imenso tempo no meu estúdio. Acordo, faço um café, como qualquer coisa e começo a trabalhar no estúdio. Outras vezes não entro no meu estúdio durante semanas – quando estou em tournée ou quando estou fora a trabalhar num projecto qualquer. Na verdade, não consigo estar sempre no mesmo sítio. Não funciono muito bem com as rotinas.

Que diz das suas expectativas como estudante e aquilo que encontrou no mercado de trabalho?

Como expliquei, acabei por não seguir o que estudei, por isso a minha ʻescolaʼ e o mercado de trabalho foram coisas que não se cruzaram. O meu mercado de trabalho acabou por ser uma coisa exponencial e que tem muito a ver com network, e estar no lugar certo na altura certa. Às vezes tenho pena de não ter estudado música ou cinema, mas pronto, as coisas foram, e são, como têm de ser.

Pode recordar um momento desafiante no seu percurso profissional?

Viajar em tournée e ter de lidar sempre com as mesmas pessoas foi sempre um momento desafiante. É como estar casado, mas em vez de ser com uma pessoa acaba por ser com 4 ou 5. A parte humana é sempre das partes mais complicadas por causa da nossa complexidade natural.

Quais são os maiores conseguimentos na sua carreira?

Ainda não sei bem. Acho que gosto quando trabalho imenso tempo numa coisa que parece não ter fim e depois um dia ela acaba. E quando a ʻmissãoʼ acaba essa tal coisa é um produto que bem tratado pode viver para sempre. Algo como um álbum ou um filme.

Qual é a sua visão para o futuro no sector onde trabalha?

 Infelizmente sou uma pessoa super reactiva e nunca consigo ter uma visão para o meu futuro ou o futuro da indústria onde trabalho. Faço as coisas um pouco em etapas e acabo sempre por ʻviver na pequena rua e nunca na grande avenidaʼ.

Que características considera fundamentais para um profissional na sua área?

 Tenacidade. Persistência. Sorte. Motivação. Paciência. E um certo nível de paixão e entusiasmo.

Que características considera fundamentais para qualquer profissional ou candidato?

Uma capacidade realística de fazer as coisas. Ou a capacidade realística para aprender a fazer. Vontade de fazer. Trabalhar não é sentar e esperar pelo cheque no fim do mês. Trabalhar é fazer e produzir. É ir de ʻAʼ até ʻCʼ, via ʻBʼ. Acho eu…

Que recomendações daria a um jovem estudante, que suscitassem nele o interesse pela sua área?

Mergulhar de cabeça e tentar. E saber porquê é que quer tentar. Por exemplo, se a motivação é dinheiro e enriquecer, talvez a música e o cinema não sejam a aposta certa. Principalmente em Moçambique. E também é preciso saber cultivar uma ideia profissional de que apesar de ser uma coisa de natureza artística, é uma coisa que no final do dia exige um produto final. É como ter uma machamba e plantar mandioca.